Escândalo bilionário do governo Bolsonaro segue impune

Escândalo bilionário do governo Bolsonaro segue impune

“Acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo.

No alto do palanque onde está desde o primeiro dia no Palácio da Alvorada, Jair Bolsonaro preferiu, na última quarta-feira (7/10), ignorar seu histórico de pequenos expedientes como legítimo representante do baixo clero envolvido com notas de gasolina superfaturadas, rachadinhas familiares, Queiroz, os anos em ombro a ombro partidário com Paulo Maluf. Esqueceu ainda a companhia do “Centrão”, pilar do mandato. E jogou para baixo do tapete um escândalo de mais de R$ 3 bilhões em transações jamais explicadas pelo Ministério da Educação (MEC), que, não fosse a Controladoria Geral da União (CGU), passaria ao largo da pátria-mãe tão distraída. No entanto, ninguém foi punido. E o responsável pela caneta no episódio foi promovido pelo presidente. A reportagem enviou questão ao MEC sobre a existência de apuração e responsabilização dos autores. A resposta (ver íntegra ao fim em “outro lado”) ignorou o teor da pergunta e não discorreu sobre punição aos responsáveis pela fraude impedida pela CGU.

Para sermos mais exatos, foram R$ 3.023.869.395,50 (três bilhões, vinte e três milhões, oitocentos e sessenta e nove mil, trezentos e noventa e cinco reais e cinquenta centavos). Que passaram incólumes pelos controles do MEC no processo gerado pelo Pregão Eletrônico nº 13/2019, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a aquisição de Equipamentos de Tecnologia Educacional. Parte do programa “Educação Conectada”. Assim como a famosa prática do coirmão Ministério do Meio Ambiente, essa boiada já havia passado quando a CGU apontou para as latentes “inconsistências”, eufemismo técnico que órgãos de controle usam muitas vezes para indícios de corrupção.

Na ocasião, o então responsável pelo FNDE, posto no cargo indicado como parte de acordão com o DEM, Carlos Alberto Decotelli, não foi punido. Muito pelo contrário: Jair Bolsonaro pegou o homem responsável pela caneta no escândalo e o promoveu, transformando-o em Ministro da Educação, ficando apenas cinco dias. Por outros casos rumorosos de falsificação de currículo. Por trás da promoção de Decotelli, mesmo tendo passado por tão evidente caso de “inconsistências”, estava a chamada “ala militar” do governo, de acordo com o mostrado por diversos meios de imprensa na época.

A investigação na controladoria começou a partir de uma denúncia recebida por e-mail enviado a uma ferramenta de uso interno conhecida como Alice (Análise de Licitações e Editais). A mensagem anônima apontava “riscos na contratação” e deu origem ao “Relatório de Avaliação”, auditoria sobre o FNDE em 2019. A apuração da CGU se deu entre o aviso de licitação (21/8/2019) e o pregão (5/9/2019).

O relatório da CGU sobre o desvio abortado em andamento no governo Bolsonaro é minuciosamente detalhado. Fraudes de grandes proporções e quantidades de compras de descabida dimensão. Como a da Escola Municipal Laura Queiroz, no município de Itabirito (MG). Com 255 alunos registrados, iria receber um total de 30.030 laptops educacionais. Ou seja, 117,76 laptops por aluno. O documento da CGU foi citado pela primeira vez em nota na coluna do jornalista Elio Gaspari (Folha de São Paulo e O Globo).

A Agência Sportlight de Jornalismo solicitou tal relatório para a CGU via Lei de Acesso à Informação. As 75 páginas são um desfile de irregularidades e tentativas grosseiras de superfaturamento e fraudes. A conclusão final não faz por menos:

(Trecho do relatório da CGU)

O relatório aponta a “inconsistência” de imensa dimensão entre o número de computadores de diferentes tipos a serem comprados (arte abaixo) e os alunos a serem atendidos. Em um quadro, a CGU mostra o objeto da licitação com os 25 itens em pregão, somando os R$ 3.023.869.395,50:

E segue enumerando tamanha desproporção entre a quantidade de computadores a serem comprados e alunos. Assim, o caso acima citado, da Escola Municipal Laura Queiroz, dos 117,76 laptops por aluno, era apenas o mais evidente e impressionante. Porque no total o FNDE relacionou 355 escolas públicas a receberem computadores. E em todas existia número maior de aparelhos do que de alunos.

A cerca de 100 quilômetros da escola da Itabirito, com seus dos 117,76 laptops por aluno, e na mesma Minas Gerais, está a Escola Municipal Chiquita Mendes. Na bucólica e bela cidade de Santa Bárbara do Tugúrio, parte do famoso “Caminho Real”, histórico trajeto que ligava as minas e a capital da corte, então no Rio de Janeiro, para fazer chegar o ouro que era “subtraído da pátria mãe tão distraída” em meados do século 18.

Tanto tempo depois, o Caminho Real também viu o ouro se esvaindo por estradas tortuosas: com seus 36 alunos, a Chiquita Mendes tinha compra de laptops da FNDE determinada em 194 aparelhos. Fazendo média de 5,39 por aluno, como a CGU demonstrou para o MEC. Embora as duas aqui citadas entre 355 escolas com tal exagero na relação aluno/aparelho sejam de Minas Gerais, a compra não fez distinção entre região do país, estando espalhada por todas elas.

São muitos itens e “distrações” por parte do governo que proclama o “fim da corrupção”. Na pasta de um servidor ungido pela ala militar, que articulou junto ao presidente a promoção dele depois de tais “inconsistências”. O pagamento por licenças de software também é digno de registro com a devida constatação da diferença entre uma compra de um mesmo item pela FDNE no governo Bolsonaro e antes, em 2017, pelo Banco Central.

Se antes do atual mandato a licença de software adquirida pelo Banco Central em 2017 ficou em R$ 529.000,00 (quinhentos e vinte e nove mil reais), com garantia e suporte técnico por quatro anos, no presente governo, de acordo com a CGU, o preço foi de R$ 8.500.000,00 (oito milhões e quinhentos mil reais). A assistência dos aparelhos também tem disparidade muito acima de qualquer inflação entre a compra do Banco Central de 2017 e a de 2019 pela FNDE: antes licitada em R$ 551.000,00 (quinhentos e cinquenta e um mil reais), agora, “o mesmo serviço no FNDE para o período de quatro anos poderia ultrapassar R$ 16,5 milhões”, escreve o relatório da CGU.

A pesquisa de preços, fase considerada por todos os especialistas da área como fundamental e determinante para o controle de fraudes em licitações, já que nesse momento da concorrência pode-se jogar o preço dos itens a serem contratados para cima artificialmente, tem um mecanismo considerado até primário para identificação de pregões com falhas em sua origem: os indícios de relacionamento entre empresas participantes do certame.

Foi exatamente o que aconteceu no obscuro caso do escândalo dos R$ 3 bilhões do governo Bolsonaro. Além até de um mesmo erro gramatical na apresentação das propostas concorrentes, a CGU constatou que as empresas envolvidas, Daruma e Movplan, tinham conexões familiares. A Movplan é o nome fantasia da MP&Q Indústria de Mobiliário e Tecnologia Educacional.

Uma breve apuração teria descoberto um histórico desabonador em licitações. Foi o que esta reportagem constatou ao verificar em processos na justiça que a MP&Q já fora colhida em fraude dissimulando a propriedade para obter vantagem. Na peça, está dito sobre um sócio que é “óbvio ululante que se utiliza de terceiros para constituição de pessoa jurídica”, mostrando que assim obtinha vantagens ilegais:

(Trecho da justiça sobre a MP&Q Indústria)

A enumeração das irregularidades prossegue em diversos itens do relatório da CGU. Tornando óbvio que, ao contrário da fala do presidente Jair Bolsonaro citada na abertura desta reportagem, o que acabou não foi a corrupção. Num governos que no primeiro mês atacou a Lei de Acesso à Informação para desidratá-la, botou o COAF no bolso para controle, procurou mudar o comando da Polícia Federal para domínio de investigações envolvendo familiares e amigos, atuou na troca do comando da Receita Federal em portos onde existiam resultados eficazes contra a atuação de milícias, nomeou ineditamente um procurador geral da República fora da lista tríplice e com evidentes laços no poder, além de outros tantos atos que destruíram por dentro os órgãos de controle da sociedade, definitivamente e como o caso do MEC mostra, o que vai acabando são os mecanismos de investigação.

Outro lado:

A reportagem enviou questões para o MEC pedindo informações sobre as providências tomadas em relação ao escândalo do FNDE e se responsáveis teriam sido punidos depois do relatório da CGU. O MEC enviou resposta mas ignorou o conteúdo da questão sobre responsabilização.

Resposta MEC: O Ministério da Educação informa que o programa Educação Conectada já está implementado e realizando as ações previstas. No que diz respeito à aquisição de equipamentos, prevista no pregão eletrônico nº 13/2019, que foi revogado, será realizado um novo processo licitatório. No momento, o Documento de Oficialização de Demanda está sendo elaborado para ser encaminhado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Apenas quando for finalizado, o processo será iniciado e um novo cronograma será definido. A construção do edital seguirá todas as recomendações dos órgãos de controle.

Observação: a imagem de abertura, no topo dessa reportagem, é do site G1.

Fonte: Agência Sportlight

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