“Pague uma cerveja para Caio Benício” é, enquanto escrevo estas linhas, a campanha que mais arrecada dinheiro na vaquinha virtual Gofundme (algo como “venha me bancar”) na Irlanda.
O carioca Caio, 43, trabalha como entregador de comida em Dublin. Na quinta-feira (23), usando o capacete, ele pôs a nocaute um homem que esfaqueou três crianças e dois adultos na saída de uma creche.
A bravura do brasileiro o elevou ao status de herói nacional da Irlanda.
Logo criaram a tal vaquinha como prêmio, agradecimento ou pedido de desculpas –após o ataque, grupos de extrema-direita tocaram o terror na cidade, quebrando tudo e gritando pela expulsão das populações imigrantes.
O objetivo do crowdfunding não era uma casa para Caio, muito menos uma moto nova. Era cerveja. Melhor: dinheiro para ele gastar com cerveja e, se sobrar, em coisas menos essenciais.
Cerveja, na Irlanda, é o centro do convívio social. O clima costuma ser bem xexelento, então quase tudo acontece dentro dos pubs. Pagar para alguém um pint de Guinness –copão com mais de meio litro da cerveja-símbolo do país– é uma demonstração de carinho e apreço.
O preço médio da Guinness em Dublin é € 6,40, segundo levantamento feito em março pelo jornal Irish Independent.
No envio deste texto, a vaquinha do Caio já arrecadara € 253.265 (mais de R$ 1,355 milhão), com vários milhares de euros a mais em cada atualização do site. O suficiente para comprar quase 40 mil copos de cerveja. Talvez sobre para algo mais.
Apesar da comovente homenagem ao herói motoqueiro, é de preocupar a hostilidade dos irlandeses em relação às populações imigrantes. Justo a Irlanda, que exportou entre 9 e 10 milhões de pessoas para outros países desde o século 18.
A polícia não divulgou a nacionalidade do autor do ataque, o que não impede a fúria das redes sociais contra grupos específicos. Especula-se que ele seja argelino, marroquino ou romeno.
“Jihadistas muçulmanos esfaquearam crianças em Dublin”, crava um perfil verificado com quase 500 mil seguidores no X (ex-Twitter). Seguem comentários com ataques a Leo Varadkar, o primeiro-ministro de ascendência indiana, que classificou de “vergonha” o levante dos xenófobos.
O sentimento é semelhante no resto da Europa.
Em Paris, a hostilidade contra árabes e africanos é aberta. Londres disfarça melhor, mas a imigração no terminal 4 de Heathrow –passagem livre para passaportes de países ricos, três horas de fila para o resto– entrega a real.
Nesses lugares, é raro encontrar um nativo ralando na cozinha de um restaurante. Em Londres e em Dublin, as entregas de comida são feitas majoritariamente por brasileiros.
Os europeus não querem esses trabalhos pesados e mal pagos. Ainda assim, julgam-se invadidos no território e na cultura.
Nos primeiros sete meses deste ano, houve 2.353 agressões a entregadores em Dublin. São ataques de violência gratuita, perpetrados por gangues irlandesas. Em 2021, o brasileiro Thiago Cortes foi assassinado num deles.
A Europa quer comer, mas quer mandar para longe quem os alimenta. Não vai funcionar, nunca funcionou. As cervejas para Caio, porém, indicam que nem tudo está perdido.